
Quando criança as noites me traziam medos. Tinha medo de quando tivesse dormindo o punho da rede desprendesse do armador fincado na parede de taipa e eu caísse de “mau jeito” no chão. Tinha medo de alguma coisa de ruim acontecer com papai ou mamãe e eu ficar sem um ou outro para sempre. Tinha medo de papai sair de casa, e como fizera seu pai, nunca mais voltar. Tinha medo de dormir e lá pelas tantas acordar assustado com um bicho correndo atrás de mim “pega e não pega”. Tinha medo do trovão cair sobre minha casa. Tinha medo de não ter inverno e nada na roça de meu pai vingar. Tinha medo de estudar, estudar, e quando viesse a nota da professora Helena ou Angelita fosse … (sei lá, um zero). Tinha medo de quando completasse os 18 anos fosse obrigado a ir embora da capivara para São Paulo para ter emprego. Tinha medo de seu Gentil, de quem papai era morador, dissesse: Ozório, deixe minha casa! Tinha medo da safra do algodão ser fraca e papai não pagar o dinheiro adiantado por seu Gentil. Tinha medo da noite, do trovão, da falta de chuva, de ter de deixar a capivara, de dar branco na prova. E de tanto ter medo desde os verdes anos, nem com o amadurecimento de meio século me faz um homem destemido.
