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sexta-feira, 3 de maio de 2024

Racismo obstétrico: mulheres negras são mais negligenciadas no parto

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Diferenças no tratamento entre mulheres negras, pardas e brancas durante o pré-natal, parto, e o puerpério colocam mãe e filho em risco

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O conceito pode ser novo, mas a prática é antiga. O racismo obstétrico é caracterizado pelas diferenças de tratamento que as mulheres negras passam durante os atendimentos do pré-natal, no parto, durante o puerpério ou assistência ao aborto. No momento de maior vulnerabilidade, elas acabam sofrendo com falas ou ações opressivas, discriminatórias ou violentas em referência à sua etnia. Como consequência, mãe e bebê acabam expostos a desfechos negativos.

No início de 2022, o caso de uma jovem de Aparecida de Goiânia, em Goiás, ganhou repercussão nacional. Ayah Akili, 25 anos, denunciou nas redes sociais ter sofrido violência e racismo obstétrico em uma maternidade da cidade, após perder a filha com 33 semanas de gestação.

Na época, Ayah contou que as diferenças no tratamento começaram durante o pré-natal. Alguns exames básicos de gravidez, como de curva glicêmica e pré-eclâmpsia, nunca foram solicitados. Um exame de ultrassom realizado no oitavo mês de gestação confirmou que a bebê não tinha mais batimentos cardíacos.

Um estudo feito por pesquisadoras do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) mostra que mais gestantes negras morreram após serem infectadas pelo coronavírus durante a pandemia da Covid-19, em comparação com as brancas.

“O racismo obstétrico influencia a tomada de decisão dos profissionais de saúde e com isso hierarquiza as pessoas e desumaniza as mulheres pretas e pardas no momento do pré-natal, parto, aborto e puerpério”, diz o estudo, acrescentando que, “em contextos como a pandemia da Covid-19, essas situações são agravadas e as decisões sobre quem deverá receber as melhores condutas no atendimento estão alicerçadas no racismo antinegro, na biopolítica do deixar viver, deixar morrer”.

Racismo obstétrico

No século 19, o médico norte-americano James Marion Sims, considerado o “pai da ginecologia moderna”, realizava cirurgias experimentais em mulheres negras escravizadas sem anestesia. O médico acreditava que elas suportavam mais dor por terem “ancas largas, boas de parir”, dizem os historiadores. Mais de 200 anos depois, os relatos continuam.

“A manifestação do racismo carrega um legado histórico de violências, torturas e experimentos nos corpos das mulheres negras – como a realização de procedimentos sem anestesia, atenção ou cuidado, porque eram e são consideradas mais resistentes, na leitura colonizada de humanidade”, afirma a pesquisadora Emanuelle Góes, do Cidacs/Fiocruz Bahia.

Segundo Emanuelle, a vulnerabilidade do momento do parto pode dificultar a tomada de decisão das mulheres. “O parto é um momento delicado. É quando podem acontecer intervenções desnecessárias ou a falta de atendimento médico no momento certo para ter um desfecho positivo. É muito difícil, em um contexto tão vulnerável, a mulher identificar e conseguir fazer uma denúncia naquele momento”, explica.

O artigo Racismo Antinegro e Morte Materna por Covid-19: O Que Vimos na Pandemia?, da Cidacs/Fiocruz Bahia, foi publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva. As pesquisadoras Emanuelle Góes, Andrea Ferreira e Dandara Ramos mostram que a pandemia agravou a razão de morte materna (RMM) no Brasil, com mais vítimas entre as gestantes pretas e pardas.

Elas apresentaram mais sintomas graves da doença durante o puerpério, acumularam mais fatores de risco e foram as principais vítimas fatais. Em comparação com as mulheres brancas, foram 14,02% registros a mais de óbitos, em particular no puerpério.

A pesquisa analisou 10.745 casos positivos de Covid-19 de gestantes e puérperas, registrados na base de dados da Síndrome Respiratória Aguda Grave entre 2021 e 2022. O relatório traz informações sobre raça/cor, idade, região do país, sinais e sintomas clínicos, número de internações em unidade de terapia intensiva (UTI) e óbitos. Ficou constatado que as gestantes pretas e pardas são as que menos acessaram a UTI.
Cartilha

Este mês, a ativista e vereadora Thais Ferreira (PSol-RJ) lançou o Pequeno Manual contra Antirracismo Obstétrico, inspirado na obra da filósofa Djamila Ribeiro: Pequeno Manual Antirrascista. A cartilha, voltada às gestantes e familiares, tem como o objetivo ajudar a combater a violência contra a mulher negra.

“Infelizmente, as mulheres negras são vítimas de racismo até no processo de amamentação. Precisamos repudiar as afirmações racistas e mentirosas na assistência em saúde”, afirma Thais.

Sinais de alerta

O racismo obstétrico pode ocorrer em diferentes situações durante as consultas do pré-natal, no parto, no período do puerpério ou na assistência ao aborto. A cartilha traz alguns exemplos de atitudes recorrentes nessas situações:

Pré-natal

-Consultas mais rápidas que a média;
-Não fazer ou solicitar exames previstos no pré-natal;
-Falta de informações importantes para a gestante, como parto e amamentação, por exemplo;
-Menor número de consultas pré-natais;
-Desencorajar a presença de acompanhante nas consultas;
-Não fornecer a caderneta da gestante ou manter o material na unidade de saúde;
-Não dar acesso a programas de maternidade, fazendo com que a mulher precise se deslocar para outras unidades de saúde.

Parto

-Não oferecer analgesia com a justificativa de que “mulher negra aguenta dor”;
-Realizar cortes ou suturas sem anestesia local;
-Fazer comentários racistas durante o parto;
-Negligenciar o cuidado durante a internação, com horas sem avaliação;
-Realizar descolamento de membrana ou rompimento de bolsa sem indicação ou autorização;
-Negar que a gestante se alimente, beba água ou se movimente durante o trabalho de parto.

Puerpério

-Negligenciar as queixas de dor e desconforto da mulher no resguardo;
-Fazer piadas ou comparações com os órgãos genitais dos bebês;
-Avaliar a coloração do bebê a partir de um padrão de pele branca;
-Insinuar que a mulher vai amamentar com facilidade por ser negra;
-Negligenciar orientações e cuidados com a amamentação.

Denúncia

O Brasil ainda não tem uma lei específica para a violência ou racismo obstétrico, mas as vítimas dessas ações podem denunciar os casos por outros caminhos, recorrendo às leis de injúria racial ou racismo. Além disso, as vítimas podem registrar queixa nas ouvidorias das unidades de saúde públicas e privadas.

“As mulheres devem procurar esses espaços para denunciar. A Lei do Acompanhante ajuda muito nesse sentido, com a presença de outra pessoa no parto, quando as gestantes estão muito vulneráveis. Esses indivíduos vão ajudar a dar apoio e identificar situações de violência”, afirma Emanuelle.

A Lei Federal n° 11.108 ou Lei do Acompanhante, foi sancionada em 2005 e, desde então, assegura à gestante o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

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